terça-feira, 27 de novembro de 2012

Palavra do Arcebispo

“Eu tive sede e me destes de beber” (Mt 25,35)



Dois assuntos vêm chamando nossa atenção, nos últimos dias: a seca que atinge impiedosamente o sertão do Nordeste do Brasil e a tomada de posse do terreno situado na Vila Oliveira, no bairro do Pina, no Recife; atualmente, uma das áreas mais valiosas da cidade. Ambos os acontecimentos previsíveis, sendo o primeiro de ordem natural e o segundo, de interesse econômico.

Não é novidade a difícil realidade em que vivem nossos irmãos nordestinos. Quase todos os anos, os sertanejos passam por experiência semelhante. As secas prolongadas acontecem periodicamente caracterizando-se, portanto, como fenômeno natural. Os índices de migração naquela região são muito elevados, por faltar a mais elementar condição de vida. O sonho do jovem sertanejo é atingir a maioridade e se mandar para os grandes centros, sobretudo, para o Sul e Sudeste do país, na luta pela sobrevivência. Alguns dos migrantes pernambucanos, que sofreram na pele esta realidade, até conseguiram se destacar, como o ex-presidente Lula e o cantor Luiz Gonzaga, cujo centenário de nascimento estamos comemorando.

Durante décadas, escutamos o superado discurso do “combate às secas”, que ajudou a promover inúmeros políticos com promessas mirabolantes que duram até o dia da eleição. E o povo humilde que, na sua simplicidade, acredita nos falsos profetas, continua sua “via crucis” e a história se repete a cada eleição. Na verdade, falta decisão política para trabalhar, não pelo combate às secas, mas pela “convivência com o semiárido”. O solo do sertão nordestino, comparado a outras regiões secas do planeta, é muito privilegiado. Aqueles que tiveram oportunidade de visitar a Terra Santa, certamente, ficaram encantados com o aproveitamento da pouca água existente, proveniente das montanhas geladas do Golan.

A realidade, porém, está aí gritando aos nossos olhos. As previsões pluviométricas, para os próximos três anos, não são animadoras. É de cortar o coração perceber que pessoas humanas e animais são obrigados a fazer uso de água poluída e dão graças a Deus quando a encontram. É grande a mortandade dos animais que não conseguem, ao menos, ficar em pé. Seria justo, inclusive, que o governo realizasse projeto de reposição dos animais. Famílias inteiras, com total energia, se mantêm vivas graças à insuficiente contribuição do “Bolsa Família”, que lhe garante o básico para que não morra de fome e sede, quando poderiam produzir e ganhar o seu sustento com dignidade.

A coleta de água que a Arquidiocese de Olinda e Recife e a Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Pernambuco (Fetape) estão realizando, em parceria, é o mínimo que se pode fazer para atender a uma situação emergencial. É preciso, porém, ir além desse gesto mobilizando a sociedade para que pressione os legítimos representantes do povo a fim de que haja verdadeira decisão política voltada para o interesse do povo sertanejo. O problema tem solução, basta deixar de lado o egoísmo e pensar no outro, fazendo uso da inteligência e da vontade.

Por outro lado, fruto da ambição econômica foi o que aconteceu na Vila Oliveira, no bairro do Pina, na cidade de Recife. Famílias, com título de propriedade, expulsas de suas casas e conduzidas para abrigo em Casa Amarela. Foram despejadas com ajuda de custo de pouco mais de R$ 100, passando a residir longe do ambiente de trabalho, distantes dos colégios frequentados pelos filhos, sem a segurança de um lar, sem perspectivas e mínima segurança. Pergunto: como haverão de viver?

Independentemente das questões jurídicas que estão sendo analisadas, o mínimo que se deveria garantir às famílias despejadas era o direito de uma casa, no ambiente em que sempre viveram. Enquanto isso não acontece, que recebam uma mensalidade suficiente que lhes possibilite morar com dignidade. Fala-se na desapropriação do Aeroclube Recife. Se é verdade, por que não incluir no projeto a construção de casas para as 14 famílias. Assim ficariam próximos à Vila Oliveira e o prejuízo seria menor. Importante, porém, é não deixar esta população pobre desamparada e à mercê de sua própria sorte. Jesus está presente na vida de cada irmão/ã que passa dificuldade. Ele se coloca em seu lugar: “Eu tive fome, tive sede, estava nu e desabrigado e viestes a mim” (Mt 25,35).
Dom Antônio Fernando Saburido, OSB
Arcebispo de Olinda e Recife
Fonte: Assessoria de comunicação da AOR

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