quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Celebrando o VIII centenário da Ordem de Santa Clara 1212-2012



Nós Clarissas de todo o mundo temos a alegria de celebrar o triênio jubilar em preparação para o VIII Centenário da Fundação da Ordem das Irmãs Pobres de Santa Clara que teve início no ano de 2009 e que culminará em 2012 fazendo memória aos 18 de março de 1212 quando Clara abandonou a casa paterna para ser desposada por Cristo iniciando assim a Ordem de Santa Clara.
“O Centenário não é a simples ocorrência de um fato cronológico, é um acontecimento sagrado da fé que deve ser vivido em profundidade, um constante convite a gerar continuamente o Cristo por um santo modo de operar a tornar viva a lição permanente de amor que Clara nos mostrou por palavras e exemplos. É a oportunidade de reconhecermos como peregrinas e forasteiras que dizendo um dia o nosso “Sim” deixamos o que o nosso coração amava e sonhava para amar e sonhar o que o coração do Senhor ama e sonha para cada uma de nós; é o tempo de redescobrir, conhecer de novo a nossa vocação e torná-la nova, viva, como a chama ardente que sempre incendiava o coração de Clara por seu celeste esposo.”
Queridos irmãos e irmãs, do nosso coração sobem agradecimentos e louvores ao Senhor que escolheu cada uma de nós Clarissas para ser um novo rebento na grande árvore da Ordem Franciscana! Nesta alegria nos unimos em oração para celebrarmos juntos este jubileu oferecendo o programa do triênio em preparação aos 800 anos da Fundação da Ordem de Santa Clara:

2009 - Vocação
Conteúdo: identidade própria e a relação com a primeira ordem
Meios: redescobrir as fontes

2010 - Contemplação
Conteúdo: vida espiritual, vida em Cristo
Meios: escuta, silêncio, conversão

2011 - Em Altíssima Pobreza
Conteúdo: requalificar a opção pela pobreza, a minoridade, a expropriação e a restituição
Meios: opções solidárias concretas

2012 - Ano da celebração- a Santa Unidade

CARTA DO MINISTRO GERAL FR. JOSÉ RODRIGUES CARBALLO,OFM

OLHA ATENTAMENTE, CONSIDERA, CONTEMPLA,
TRANSFORMA-TE NO AMADO E O TESTEMUNHA
(Cf. 4 In 19.22.28)
Queridas irmãs Pobres de Santa Clara: “o Senhor esteja sempre convosco e oxalá estejais vós também sempre com Ele!” (BnC 16)
Há um ano, nos colocamos a caminho para prepararmos a celebração do VIII Centenário da Fundação de vossa Ordem, que iniciaremos oficialmente no Domingo de Ramos de 2010! e encerraremos na festa de Santa Clara, em 2012. Segundo o projeto aprovado pelas Presidentas das Federações durante o 1 Congresso de Presidentas da OSC. o tema para este ano é o da dimensão contemplativa de vossa forma de vida, tomando em consideração, como instrumentos privilegiados para potenciar tal dimensão, a escuta, o silêncio e a conversão de vida. Com esta carta que, anualmente, vos envio por ocasião da festa da Plantinha de Francisco. desejo oferecer algumas pistas de reflexão sobre a contemplação e sobre a solidão e o silêncio para que possais seguir, conforme palavras de São Boaventura. “com solicitude as pegadas de vossa beatíssima mãe (..) e abraçar com coragem Aquele que é espelho de pobrez, exemplo de humildade, escudo de paciência e título de obediência”. (S. Boaventura, ( carta ás clarissas de Assis, 1259)
A contemplação
Em várias ocasiões, durante os encontros com as Irmãs, me perguntaram sobre o que entendo por contemplação. Sem pretender ser exaustivo, penso que a contemplação poderia ser definida, acima de tudo, como abertura do coração ao mistério que nos envolve, para deixar-nos possuir por ele. Nesse sentido, contemplar é esvaziar-se de todo o supérfluo para que Aquele que é o Tudo nos encha até transbordar. Contemplar é abrir pouco a pouco os olhos do Coração para poder ler e descobrir a presença do Senhor nas facetas das pessoas e das coisas. Contemplar é abrir os ouvidos da alma para escutar os gritos silenciosos do Senhor em sua Palavra, nos Sacramentos, na Igreja e nos acontecimentos da história. Contemplar é fazer silêncio de palavras para que fale o olhar cheio de estupor, como o de uma criança: para que falem as mãos abertas ao compartilhar, como as de urna mãe; para que falem os pés que, com passo ligeiro, como nos pede Santa Clara, cruzam fronteiras para anunciar a Boa Nova, como os de um missionário: para que fale o coração transbordante de paixão por Cristo e pela humanidade, como falaram os corações enamorados de Francisco e Clara. Contemplar é entrar na cela do próprio coração e, desde o silêncio habitado, deixar-se transformar por Aquele a quem. como Clara. confessamos: “esposo da mais nobre estirpe” (1 Iii 7), com o aspecto “mais belo” (lIa 9), “cuja beleza iodos os batalhões bem— aventurados dos céus admiram sem cessar” (41n 10), e “cuja afeição apaixona (41n 11). Contemplar é “desejar, acima de tudo, ter o espírito do Senhor e sua santa operação” (cf GI 5,13- 21.26; Rm 13, 13-14; RSC X,9). A contemplação é essencialmente a vida de união com Deus que, segundo as palavras de Francisco. seria “ter o coração dirigido para Deus” (RnB XXII. 19.25). e. segundo as de Clara, colocar alma, coração e mente no Espelho, em Cristo (cf 31n l2ss). até transformar-se totalmente na imagem de sua divindade (cf 3 lii 13).
Assim entendida, a contemplação nada tem a ver com uma vida medíocre, rotineira, preguiçosa. A contemplação é 1azer uma opção exclusiva pelo Senhor. entregar-lhe a vida, é poder dizer com Paulo “já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim” (Gl 2.20). E poder dizer na verdade: só o Esposo basta, pois se trata daquele cujo “poder é mais forte, sua generosidade é nuais elevada, seu aspecto é mais belo. o amor mais suave, e toda a graça mais elegante” . Para Clara a contemplação não é algo distinto da opção radical por Jesus Cristo, pelo contrário é a dimensão intrínseca e indispensável dessa mesma opção. A contemplação franciscana deve ser vista sempre no horizonte do seguimento de Cristo. é um seguimento contemplativo. Por isso, com as palavras do pai São Francisco podemos dizer que contemplar é entregar-se totalmente Aquele que todo inteiro se entregou por nós (cf. Ord 29). Contemplar é queimar, gastar a vida pelo Evangelho, “regra e vida” para todos nós (1{B 1 .1; RSC 1 2). Sempre me chamou a atenção que Clara não define a vida em São Damião como vida contemplativa, mas como vivëncia do Evangelho. Desse modo. Clara não considera a contemplação como urna forma de vida, senão como urna dimensão essencial da mesma, a qual fica submetida à vivência do Evangelho. A contemplação, pois, vai de mãos dadas com a qualidade evangélica de vida conforme o propósito de vida que abraçamos (cf. 21n ); com uma vontade flirme dc “crescer de bem para melhor, de virt ude em virtude” (1 In 32), e de avançar pelo caminho da bem—aventurança (cf 21n 12—13).
Para isso sentimos necessidade de caminhar a partir do Evangelho, núcleo fundamental e fundante da nossa forma de vida, pois só ele nos dará a possibilidade de acender fogo novo e injetar linfa nova em nossa história comum, oito vezes centenária. Sermos contemplativos implica, pois, assumir o Evangelho com suas exigências mais radicais, sem concessões, sem justificar acomodações a um estilo cômodo de vida.
A contemplação tampouco é ser indiferente em relação aos outros. A paixão por Cristo é paixão pela humanidade. A contemplação que alimenta nossa vida nunca pode ser alheia à vida de nossos povos e ao que os afeta. A realidade de nossos irmãos, os homens e as mulheres, há de ser levada à oração. A alma contemplativa é urna alma que se sente em comunhão com todos, que apresenta todos ao Senhor, com suas alegrias e tristezas, com suas esperanças e suas frustrações. Carrega todos em seu coração, a todos acolhe em sua alma contemplativa.
A contemplação, portanto, é muito mais que os momentos mais ou menos prolongados de oração e a cujo serviço estão sujeitas as demais coisas temporais (cf. RSC 7,2; RB 5,2). A contemplação é urna existência vivida para o Senhor e por Ele, doada também em favor dos demais. Não poderia ser de outra forma se consideramos que a contemplação, como afirma Clara, é imitar e seguir o Esposo (cf. 21n 20-21).
Fontes da contemplação franciscana
Olhando para Francisco e Clara, é fácil descobrir duas fontes principais de sua contemplação: a Palavra de Deus e a liturgia.
A Palavra dc Deus é, sem dúvida alguma, a fonte principal da oração do Pobrezinho e de sua Plantinha. Os salmos e os cânticos bíblicos inspiram e nutrem sua oração a tal ponto de poder bem manifestar que ambos encarnam em si mesmos a figura do pobre de Javé em toda sua dimensão: a pessoa humana põe sua confiança plena no Senhor e mergulha na adoração e no louvor. A prática da Leitura orante da Palavra, tão recomendada pela Igreja nos últimos tempos, deveria ser habitual em nossas fraternidades. se queremos que a Palavra se torne carne em nossa existência de cada dia. Nesse sentido temos ainda muito caminho a percorrer.
A liturgia é fonte privilegiada da contemplação franciscana. Em primeiro lugar, porque é o canal ordinária através do qual Francisco e Clara acolhem a Palavra de Deus. Urna Palavra que não é simples objeto dc meditação, mas muito mais urna Palavra celebrada, atualizada: urna Palavra que se transforma em ação. Por outro lado. Francisco e Clara através da liturgia vivem intensamente a atualização sacramental do mistério de Cristo, particularmente’ assim como se manifesta na encarnação e na paixão, que, como bem o sabemos. ocupam lugar central na contemplação desses enamorados de Cristo Pobre e crucificado.
O “método” dc Clara para a contemplação
Como fizeram os ilustres mestres de contemplação, também Clara elaborou seu “método”, seu caminho, porém sem ater-se a nenhuma das grandes correntes. Trata-se de um método muito simples que brota da própria experiência. Este método pode resumir-se em três verbos que aparecem na segunda e quarta Cartas a Inês de Praga: olhar (observar), considerar, contemplar (cf21n 20; 41n 1 5—23). O caminho contemplativo de Clara está enraizado na encarnação do Verbo, sintetizado no mistério, na vida pública e na cruz. E um espelho no qual se refletem a pobreza, a humildade e a caridade do Filho de Deus. Contemplar todos os dias tal espelho é percorrer este caminho sem desfalecer.
Olhar. O olhar implica iodos os sentimentos no seguimento contemplativo de JeSUS Cristo. “Olhe dentro desse espelho iodos os dias (...). Preste atenção no principio deste espelho: a pobreza daquele que, envolto em panos, foi posto no presépio!” (41n 1 Sss). Não se trata de uma postura romântica diante do presépio, mas de uma experiência real de pobreza, de uma opção decidida pela pobreza, como o caminho escolhido pelo Filho de Deus. Não se trata de olhar-se a si mesma, mas de sair de si mesma e contemplar a pobreza daquele que “por você sef’z desprezível”. Para Clara já não resta outro caminho: “siga-o, sendo desprezível por ele neste mundo” (21n 19). O olhar ao qual convida Clara é, na verdade, o olhar da esposa ao Esposo, que, por ser diário e incessante (cf. 41n 15.), leva a descobrir a beleza do “Esposo da mais nobre estirpe”
Considerar. A consideração, para Clara, abarca a mente e leva a perceber a humildade, como um contraste que escandaliza e fascina: o Rei dos anjos envolto em panos e posto em um presépio (cf. 41n 19-20). Se para Francisco o binômio pobreza e humildade é inseparável, o é também para Clara. A pobreza põe em realce a vida na mesma condição dos pobres. A humildade expressa o mais profundo da pobreza: o rebaixamento, a humilhação, o desprezo. Se a pobreza é negação da riqueza, a humildade é negação do poder. A humildade é a dimensão quenótica do seguimento.
Contemplar. O contemplar implica particularmente o coração. Para Clara o coração é o lugar da aliança com o Esposo, expressa a radicalidade da resposta, a entrega total, a comunhão que permite saborear Deus. Por outro lado, a contemplação exige um coração puro (cf. RSC 10,10), totalmente voltado para o Senhor. Isso permite olhar com outros olhos, com os olhos de Deus, considerar de outra maneira, perceber em profundidade. Contemplar significa em última análise ter os mesmos sentimentos de Cristo (cE Fi 2,5), revestir-se de Cristo (cf GI 3,27; Ef 4,24). Contemplar é abrir-se ao Espírito que renova, transforma e arrasta ao testemunho, meta de toda a contemplação.
O olha-considera-contempla, mais que graus, são dimensões de um mesmo processo que não se reduz a mera consideração intelectual, mas que é uma experiência que implica toda a pessoa, em todas as suas dimensões: espiritual, afetiva e sensível. E como o amor autêntico: envolvente (cf. RnB 22; 31n 12-13; 41n 15). que conduz ao seguimento e à identificação com a pessoa amada, à transformação do amante no Amado.
O silêncio e a solidão ao serviço da contemplação
Assim pensa Clara em sua Regra (cf. RSC 5), assim pensa a Igreja. assim o exprimem as vossas Constituições: “a busca dci intimidade com Deus traz consigo a necessidade vital de um silêncio de todo o ser” (Evangelica Testificatio, 46; CCGG da OS’C, 81). Quem deseja permanecer fixo unicamente na intimidade de Deus, a exemplo de Clara, deve afastar de sua alma “todo o rumor” (LSC 36). E isto não só para quem optou por uma vida retirada, mas para todos aqueles que desejam viver urna vida interior autêntica. O silêncio, enquanto caminho de liberdade, é um valor universal, necessário p.ara uma vida em plenitude, para a reflexão profunda. O silêncio e a solidão habitados são manifestação de vida plena e transbordante, que fala por si mesma. O silêncio e a solidão são, além disso, meios indispensáveis para concentrar-nos no essencial, para viver na presença do Senhor. É desde essa perspectiva que a clausura adquire sua verdadeira dimensão. Sem diminuir a importância da clausura para fora, não se pode esquecer nunca a clausura para dentro: não entreter-secom o acidental, mas nutrir o gosto pela Palavra de Deus, o recolhimento dos sentidos. Se para quem vive às margens do nada, o silêncio é sinal terrível do vazio, para quem busca a paz interior, o silêncio, a solidão e, no vosso caso, a clausura são oportunidades impagáveis para o encontro com Deus e com os demais. O homem novo, a quem a fé concedeu um olhar penetrante que vai mais além da cena e um coração capaz de amar o Invisível, busca o silêncio e a solidão, feitos dc relações profundas, autênticas e não como fuga ou como meio para fechar-se em si mesmo. Por paradoxal que possa parecer, somente aquele que é capaz de ficar sozinho é capaz de encontrar-se com alguém. Talvez isso explique porque, hoje, estamos tanto tempo juntos e não conseguimos encontrar-nos realmente com alguem.
Hoje, tanto vós, minhas queridas irmãs, como nós e todas as pessoas que desejem dedicar-se com coração exclusivo a Deus, necessitamos de silêncio e solidão, cheias de urna Presença, atentas à escuta, abertas à comunhão. Necessitamos cuidar do silêncio e da solidão habitados para não sermos carentes de reflexão, vítimas de um ativismo vazio e, portanto, estéril. Deus sempre fala e até mesmo seu silêncio é palavra.
Conclusão
Irmãs mui queridas no Senhor: iniciei esta carta com palavras de São Boaventura e termino fazendo minhas outras palavras suas. Como ele, também eu vos peço que estejais “sempre unidas a Cristo, nosso único bem duradouro” (c1 5. Boaventura, Carta... 4). Tudo o que vos escrevi, minhas queridas Irmãs pobres de Santa Clara, o assumo também para mim e para todos os irmãos que o Senhor me deu.
Que o Senhor nos dê um coração puro para poder olhá-lO, considerá-lO, contemplá-lO, para que, transformando-nos nEle, possamos testemunhá-lO diante dos homens e das mulheres do nosso tempo!

Fraternalmente,
Roma, 13 de junho, festa de Santo Antônio de PádualLisboa, de 2010.
Fr. José Rodriguez Carballo, OFM
Ministro Geral OFM

Fonte:clarissaspoa.blogspot.com/Clarissas Porto Alegre

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